As tentativas de repactuação de contratos de concessão de diferentes setores da área de transportes podem ter que passar por um novo modelo de disputa que está em fase de elaboração nas negociações entre governo, agências e TCU (Tribunal de Contas da União).
Com o nome de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado), a proposta pretende criar um modelo de leilão para que os novos contratos renegociados dentro do modelo de consenso do TCU possam passar por uma disputa entre empresas.
A proposta consta no modelo que foi aprovado na primeira renegociação de rodovias com a fase prévia de acordo finalizada, a da BR-101/ES-BA (Eco101, da EcoRodovias). Após aprovada na mesa de negociação, a proposta final agora está sob análise para ir ao plenário do tribunal.
Ela também consta das outras duas renegociações que tiveram a parte negocial fechada na semana passada, as da BR-163/MS (CCR MS Vias) e da BR-101/RJ-ES (Arteris Fluminense). Em ambas houve uma proposta acordada entre as partes que agora será apresentada para aprovação final por cada uma das partes.
O PCS é a parte final de um modelo de acordo que envolve várias mudanças nos contratos licitados, que foram parcialmente descritas à Agência iNFRA, sob a condição de anonimato, por interlocutores que participam das discussões.
Algo entre 15 e 20 concessões de aeroportos, portos e ferrovias já pediram ou avaliam entrar nesse modelo. A grande maioria desses contratos está inadimplente ou próximo de atingir a inadimplência, seja em obrigações de investimentos ou de pagamentos à União.
A tentativa do governo é rever esses contratos para que possam o mais rapidamente possível retomar os investimentos e melhorar a qualidade do serviço prestado aos usuários. Outros modelos para essa retomada são avaliados como mais caros e demorados, por isso a escolha pela tentativa de repactuação, que seria, nessa visão, a que melhor atenderia o interesse público.
Exigências para cumprir investimentos
No acordo negociado com o TCU, foi imposta uma série de exigências para que se tenha a garantia de que as empresas vão retomar investimentos que estão parados nessas concessões há anos. E as empresas terão direito a reajustes de tarifas, escalonados na medida em que as obras forem entregues, e/ou de prazos de parte dos investimentos.
Será contratado um verificador independente para que possa atestar a realização das obras e acompanhamentos trimestrais serão feitos para monitorar os investimentos. As empresas também terão que fazer aportes iniciais para garantir o início das obras, que terão o prazo de três anos para os projetos mais urgentes, mesmo antes de terem os financiamentos.
Risco moral
Mas, mesmo com diversas regras para tentar monitorar se os valores e prazos de obras estão adequados para os novos valores tarifários que os usuários vão pagar, restou o que os especialistas chamam de “risco moral”, que é o administrador aceitar alterar o contrato em profundidade sem um processo competitivo.
Isso porque serão mudados termos originais dos contratos, como taxas de retorno e matriz de risco, para que a atualização seja possível e a nova avença fique equilibrada.
A intenção é que esse risco seja minimizado com o PCS, a disputa entre empresas do setor privado que vão poder apresentar propostas que seriam melhores do que a da empresa que renegociou, minimizando também a assimetria de informação entre público e privado nesse tipo de negociação.
Painel no TCU e sandbox na ANTT
O modelo de PCS que deve ser apresentado para discussão pública em pelo menos dois momentos, num painel de especialistas anunciado pelo TCU e num sandbox regulatório em produção pela ANTT, prevê que seja calculada na mesa de negociação a indenização pelos ativos não amortizados da concessionária que teve o contrato repactuado.
No PCS, as empresas privadas que entrarem na disputa terão que pagar pelo valor desse cálculo, antecipadamente à concessionária que vai sair. Se não houver proposta, a empresa que renegociou fica. Caso haja uma proposta, começaria uma fase de disputa que, em princípio, se daria em descontos na tarifa dos usuários.
Diretrizes principais fechadas
Então, se uma empresa tem R$ 350 milhões a receber pelo ativo não amortizado para sair, quem disputa vai ofertar esse valor e um desconto sobre a futura tarifa quilométrica do novo contrato. Nesse leilão, a concessionária que está saindo poderia também fazer ofertas.
O modelo ainda não está totalmente fechado, mas, segundo esses interlocutores, já teve as principais diretrizes indicadas nos primeiros acordos. Se esses acordos forem aprovados pelo plenário do órgão, não deve haver a possibilidade de profundas alterações, já que, por ser um acordo, todos os envolvidos teriam que aceitar as mudanças.
Temas sensíveis
Há alguns temas sensíveis na proposta de PCS que deverão ser melhor escrutinados após a apresentação final do acordo, segundo parte dos interlocutores que falaram à Agência iNFRA. Um deles é a permissão de participação na disputa do concessionário que pediu a renegociação.
A Lei de Relicitação (13.448/2017) impede explicitamente que entre na disputa a empresa que opera o bem a ser relicitado. O modelo de repactuação, como dizem essas fontes, não é a mesma coisa da relicitação, mas acredita-se que poderá haver questionamentos em relação ao tema. Por isso, já se levanta a possibilidade de uma mudança legislativa para garantir essa participação.
Outro tema sensível é se todas as empresas que pediram repactuação vão querer se submeter ao modelo que leva ao PCS. As três concessionárias de rodovias que tiveram os acordos prévios fechados na Consenso do TCU tinham feito o pedido expresso de relicitação de seus contratos, o que levaria a uma disputa, se a relicitação fosse levada adiante.
Mas as outras 11 concessões de rodovias que tentam a renegociação não fizeram esse pedido de relicitação. Algumas nem sequer estão com descumprimentos no momento e há dúvidas se vão querer submeter-se a esse processo no qual podem perder contratos que ainda têm muitos anos.
Ministério dos Transportes, agência e TCU não parecem dispostos a abrir mão do modelo, pelo que indicaram os interlocutores, alegando que seria a forma de dar maior segurança e transparência para a operação. Mas, nas negociações do setor de aeroportos, a situação tende a ser um pouco diferente.
Nesta semana, está previsto para se encerrar a fase inicial na Consenso do TCU da primeira renegociação entre os aeroportos que querem repactuar seus contratos num modelo novo, no qual topariam investir em unidades de pequeno porte em troca de um maior prazo contratual.
É a do Aeroporto de Guarulhos (SP). Viracopos (SP), Brasília (DF) e Galeão (RJ) também buscam o mesmo modelo. Desses quatro, Viracopos e Galeão entraram com pedido de relicitação.
Cinco anos e só obras
Pelos encaminhamentos conhecidos até o momento, a ideia é restringir a cinco anos a extensão contratual (tempo de extensão de prazo previsto nos contrato de concessão aeroportuários) para que seja possível, com o valor a mais de outorga gerado, os concessionários fazerem investimentos em unidades previamente escolhidas pelo Ministério de Portos e Aeroportos.
Essas unidades seriam entregues ao poder concedente para futuras parcerias ou passagem para a administração pública, não ficando os concessionários que investiram responsáveis pela administração delas no futuro.
Segundo foi anunciado pelo secretário responsável pela Secex Consenso do TCU, Nicola Khoury, em evento sobre o tema no início deste mês, esse modelo de inclusão de aeroportos também será motivo de um painel público de especialistas que será realizado pelo órgão.
Nesse caso, além da sensibilidade de se colocar para um leilão uma concessão que não solicitou oficialmente a repactuação dos contratos, há o fato de não se saber os critérios que levaram à escolha das obras e dos aeroportos que receberiam investimentos.
Mais complexo que se imaginava
O fato é que as negociações no modelo de consenso do TCU mostraram-se muito mais complexas do que se anunciava originalmente. Mesmo com um alongado tempo de debates, a auditoria especializada em rodovias manteve-se contrária ao modelo nos acordos já apresentados para rodovias.
Isso não necessariamente terá impacto porque, após uma mudança de regra, o TCU permitiu que seja homologado o acordo se uma das duas áreas do órgão que participam da mesa de discussão, a auditoria especializada ou a Secex Consenso, estejam de acordo com a proposta.
Com os indicativos de necessidade de consultas ao mercado e leilões, a previsão é que somente em 2025 seja possível que essas primeiras renegociações tenham novos contratos assinados.
Isso será mais de dois anos após o TCU ter aberto a possibilidade, com a criação da Secex Consenso (início de 2023); e quase dois anos após o Ministério dos Transportes ter iniciado as conversas com as quatro primeiras concessionárias de rodovias sobre o tema.
Fonte: Com informações do site agenciainfra, matéria publicada 19 de junho de 2024.